sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Devemos proteger crianças e adolescentes de assuntos “inadequados”?

Não posso deixar de compartilhar com vocês uma notícia que me incomodou muito:
… o livro “A Culpa é das Estrelas”, de John Green, foi proibido em escolas públicas em Riverside, na Califórnia, por falar de morte e sexo. A proposta de proibição veio de uma mãe, Karen Krueger, que convenceu uma comissão de professores, pais, diretor e bibliotecários a retirar as cópias dos livros das bibliotecas do distrito. “Eu não acho que o conteúdo seja apropriado para crianças de 11, 12, 13 anos de idade”, disse ela. (Fonte: UOL)
O best-seller “A culpa é das estrelas“, do autor norte-americano John Green, conta de maneira espirituosa e sensível a história de um casal de adolescentes diagnosticados com câncer. Recentemente adaptado para o cinema, o livro trata de sexo e morte, dois temas tabu na nossa sociedade. A protagonista tem uma vida amorosa (e sexual) ao mesmo tempo em que lida com a doença e a iminência da morte. Não é o caso de avaliar se essa história é a melhor para abordar essas questões, mas quero discutir a postura superprotetora, que, oferece ao jovem silêncio e negação no lugar de uma oportunidade para o diálogo e a aprendizagem sobre questões inerentes à vida. Será que isolar crianças e jovens de temas como a morte e o sexo é positivo para seu desenvolvimento?
Isso me remeteu a minha adolescência…  Sem ter mais o poder de me proteger da vida, meu sábio e saudoso pai admitiu em uma de nossas conversas:
“Se pudesse, colocava você e seus irmãos num pedestal para que não precisassem passar por nenhum tipo de sofrimento, tristeza ou dificuldade. Mas não posso. Filha, o que posso lhe dizer é que a lei da física se aplica a lei da humanidade. Quando a gente se deixa levar pela força centrípeta ou pela centrífuga… Perde o controle sobre a própria vida e passa a ser comandado pelos outros. É preciso encontrar o equilíbrio! E, para isso, você tem que aprender a subir a sua escada da vida sozinha.”
A coragem e a humildade contidas nessas palavras são uma grande referência para mim. Até hoje pauto minhas atitudes por elas, mesmo tendo mais idade do que meu pai tinha quando as proferiu.

Desejo e realidade
Precisamos separar a nossa expectativa em relação à vida dos nossos jovens da realidade com que eles têm de lidar e vivenciar com suas próprias pernas e atitudes. Muitos pais e educadores ainda acreditam erroneamente que as aulas de Educação Sexual são uma apologia ao sexo. Eles têm a ideia – ou a esperança – de que seus filhos/alunos nem sequer pensem nisso. Será? Uma pesquisa recente mostrou que a primeira relação sexual dos brasileiros está ocorrendo por volta dos 13 anos, mesma idade registrada nos Estados Unidos e Austrália.
Hoje um casal de adolescentes pode passar um longo tempo juntos, em sua própria casa, na casa de amigos, em uma balada, em um shopping ou mesmo no cinema.
O que os jovens fazem ou não com o seu interesse sexual – que, como vimos na pesquisa, existe! – depende da Educação Sexual que tiveram, isto é, dos valores, da capacidade de tomar decisões e lidar com os desejos, da aprendizagem sobre prevenção, da sua autoestima…
Ouço muito que as crianças e jovens “não estão preparados” para lidar com esse tema. Concordo, afinal, quem já nasce preparado para alguma coisa nessa vida? Nosso papel é justamente prepará-los para lidar com questões da sexualidade, de acordo com o seu interesse e com sua capacidade de compreensão dos fatos. Eles anseiam saber! Precisamos respeitar a fase de cada um, e não impedir o conhecimento.
Muitas vezes, o sexo é reduzido ao prazer do corpo e às manifestações genitais. No entanto, a sexualidade é um instrumento que propicia experiências indispensáveis ao crescimento pessoal, à autonomia e ao desenvolvimento da individualidade e, até mesmo da cidadania, uma vez que envolve o modo como cada um entende e interpreta seus direitos e deveres para consigo e com os outros, em relação à condição de gênero, a função reprodutiva e a capacidade de se relacionar afetivo e sexualmente.
Quando se nega o trabalho de Educação Sexual ou se adere ao discurso de que esse tema é “inadequado” aos alunos, é preciso refletir: será que o educador não está deixando de ser um elemento transformador para se tornar um instrumento de atrofia pessoal e social?
Para caminharem sozinhos, os jovens precisam abastecer a bagagem da vida com conhecimentos. Sejam eles adquiridos nas experiências familiares, seja na vivência pessoal, mas também por meio de ensinamentos formais da escola e da emoção de um livro. Se houver alguma dificuldade de compreensão do livro, ela vai precisar de um adulto próximo para conversar. E aí, quem é que não está preparado para o tema?

http://revistaescola.abril.com.br/blogs/educacao-sexual/2014/10/09/devemos-proteger-criancas-e-adolescentes-de-assuntos-inadequados/

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