quinta-feira, 2 de maio de 2013


O legado da Guerra de Canudos

Apresente à turma a história da comunidade de Canudos e incentive que os alunos investiguem a influência dos conflitos do inicio da República no cotidiano atual do Brasil



 Pintura retratando a comunidade de Canudos no interior do estado da Bahia, antes da guerra. Fonte: Wikmedia Commons.
Objetivos
Ø  Identificar características do período da Primeira República. 
Ø  Compreender a importância da história da comunidade de Canudos
Ø  Aprender os principais pontos para investigar o legado sócio político de Canudos no contexto do Brasil atual 

Conteúdos
Ø Primeira República

Anos                             Ensino Médio 

Tempo estimado                Uma aula

Materiais necessários
Ø Copias da reportagem de Veja " Surpresas do Passado", disponível no acervo digital de Veja.
Ø Fragmento "A Guerra das Caatingas" do livro "Os Sertões" de Euclides da Cunha, disponível no portal Domínio Público.  
Ø Sala de computadores com internet disponível para exibição da reportagem do Jornal da Record sobre a Guerra de Canudos ou sala equipada com aparelho de DVD e televisão com uma cópia em DVD da reportagem.

Introdução
Para alcançar os objetivos desta aula, é importante apresentar os principais tópicos que contextualizam a Guerra de Canudos e explicam o surgimento da comunidade de nordestinos revoltosos. Esse cuidado didático será fundamental para solicitar um relatório de pesquisa a respeito do atual legado da comunidade de Canudos no final da aula.
Com sua ajuda e por meio da aula sobre Canudos, os alunos podem perceber a origem do conceito de favela no Brasil, qual a função do aumento do número de armas em um páis, o poder de líderes carismáticos em determinados momentos históricos e alguns fatores determinantes para construir uma narrativa oficial. Em outras palavras: qual é o legado de Canudos.
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Desenvolvimento
1ª etapa
Inicie a aula informando à turma que a aula é sobre as revoltas populares ocorridas na Primeira República brasileira e que o foco de estudo será a comunidade de Canudos no interior do estado da Bahia. O período da Primeira República corresponde ao fim do Império em 1889 até 1930.
Esta é uma fase regida pela primeira Constituição republicana brasileira e marcada pelo poder de grupos oligárquicos que estavam ligados ao cultivo de café e às grandes propriedades de terra.
O regime político era o presidencialismo e as eleições eram caracterizadas pelo chamado voto de cabresto. Os coronéis, grandes proprietários de terra, controlavam os votos de seus subordinados e definiam os rumos políticos de acordo com seus interesses. A votação não era secreta e fraudes nas eleições eram corriqueiras. Confira aqui o plano de aula sobre Coronelismo.
Depois de contextualizar o período, pergunte se os alunos  conhecem ou já ouviram falar da Guerra de Canudos e Antônio Conselheiro. Anote as respostas no quadro.
Apresente o tema por meio da reportagem do Jornal da Record sobre a Guerra de Canudos.  
Após a exibição, pergunte se os alunos ficaram com alguma dúvida e incentive os comentários sobre a Guerra de Canudos. 
Na próxima etapa, apresente um breve perfil biográfico do líder da comunidade de Canudos conhecido como Antônio Conselheiro que pregava aos seus seguidores que a República brasileira era uma manifestação do anticristo.

2° etapa
Estimule a reflexão dos alunos por meio de algumas questões: 
ü O que caracteriza um líder? 
ü Quais outros líderes históricos os alunos conhecem? 
ü Finalmente, como o momento histórico da Primeira República foi importante para aumentar o carisma e dar um ar messiânico para Antônio Conselheiro? 
Explique à turma que o momento histórico é fundamental para legitimar o perfil do líder. O resultado pode ser positivo ou negativo. Cite os exemplos de Adolf Hitler, na Alemanha, e de Nelson Mandela, na África do Sul. 
Lembre ainda que, durante a Primeira República brasileira, houve outros movimentos de revolta, como, por exemplo, a Guerra do Contestado e a Revolta da Chibata
O primeiro movimento teve lugar na fronteira do Paraná com Santa Catarina e também teve um líder messiânico chamado João Maria. Ele reuniu mais de 20 mil seguidores e criou uma comunidade monarquista que não obedecia à República. O resultado foi a repressão do exercito, assim como aconteceu em Canudos. 
A segunda revolta aconteceu no Rio de Janeiro e foi conhecida como a Revolta da Chibata. Marinheiros se revoltaram contra os maus tratos que eram submetidos.  Saiba mais aqui.
 Após a reflexão sobre o contexto histórico e o surgimento de movimentos e líderes, utilize o texto a seguir como auxílio para explicar o perfil e a trajetória de Antônio Conselheiro. Se preferir, distribua cópias para todos os alunos.

Quem foi Antônio Conselheiro?
Antônio Vicente Mendes Maciel, apelidado mais tarde de Antônio Conselheiro, nasceu na cidade de Quixeramobim, no Ceará, em 13 de março de 1830. Foi comerciante, professor e advogado. Foi casado, no entanto, há relatos não oficiais que a esposa de Conselheiro foi infiel e trocou o pregador por um sargento da força pública. Dizem também que, por esse motivo, Conselheiro abandonou tudo e passou a vagar pelos sertões do Nordeste.
Em 1876, Conselheiro foi preso. Alegaram que ele havia matado a mulher e a mãe. Depois de solto, ele continuou sua peregrinação. É importante ressaltar que parte de seus argumentos tocavam diretamente à população pobre da época: condenação da cobrança abusiva de impostos; repúdio ao casamento apenas no civil; defesa da separação entre Estado e Igreja; Todos esses pontos faziam parte da pregação messiânica de Conselheiro e utilizada como provas do final dos tempos. 
Foram 25 anos de andança até chegar a Canudos, um arraial localizado no interior do norte da Bahia. Ele chegou em 1893. Junto dele vieram milhares de seguidores atraídos pela pregação religiosa. 
A escravidão havia sido abolida em 1888 e os ex-escravos sofriam com o preconceito. Eles não tinham direitos à terra. Eram raras as oportunidades de emprego. Essas pessoas se uniram a outros indivíduos empobrecidos do sertão baiano para seguir  Conselheiro. No total, cerca de 25 mil pessoas  passaram a viver em Belo Monte, nome que  Conselheiro deu a Canudos. (Antonio Gasparetto)


  Antônio Conselheiro morto. Essa é a única foto conhecida do líder. A foto foi tirada por Flávio de Barros no dia 6 de outubro de 1897. Fonte: Wikmedia Commons

3ª etapa
Nesta etapa, mostre que os relatos históricos podem divergir. Há mais de uma forma de narrativa de como era organizado Canudos e como foi o conflito com o exército republicano. 
Conte à turma que passados alguns anos da chegada de Antônio Conselheiro a Canudos, os líderes da República começaram a se incomodar com as agitações do arraial. A população na região aumentou significativamente.
Informe os alunos que este ponto é fundamental para apurar a versão mais próxima da verdade. Por que um grupo de miseráveis incomodou tanto a República?
A região de Canudos apresentava péssimas condições de sobrevivência. O clima era muito seco, afetando o plantio e matando pessoas e animais por falta de água. A situação social precária gerava agitações e propiciou o surgimento de bandos fortemente armados que vagavam pelos sertões invadindo propriedades de coronéis em busca de alimentos e água. Esta é a versão tradicional sobre as condições de vida em Canudos. Neste momento leia com a turma a reportagem "Surpresas do Passado" disponível no acervo digital de Veja.
O texto fala de documentos disponíveis no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, que possui selo do programa de Memória do Mundo, da Unesco, dedicados a preservar acervos de grande valor histórico. Nos registros de Canudos é relatada não uma comunidade de fanáticos e miseráveis, mas a segunda maior população do estado. Segundo estes documentos, havia em Canudos uma criação de gado, fábrica de rapadura, e produção de  couro de bode e ovelha, comercializado para fora do país. As fotos do baiano Flavio de Barros são usadas como prova destes argumentos. 
A leitura da reportagem será importante para mostrar aos alunos que a História não é uma narrativa fechada, fixa. Os relatos oficiais são mutáveis de acordo com a descoberta de novas fontes e de novas informações.

Pergunte como os alunos imaginam que era a comunidade de Canudos. Eles imaginam que Canudos era prospera economicamente? Como eles fundamentam os respectivos pontos de vista?

4° etapa
Nesta etapa, reforce os pontos fundamentais sobre o advento e desfecho trágico da comunidade de Canudos.
Antônio Conselheiro assumiu uma imagem de líder popular messiânico, enviado por Deus, que viria para livrar a população da pobreza e das perversidades da República.
Não demorou para que Antônio Conselheiro fosse identificado como inimigo da Igreja Católica e dos coronéis. Os religiosos estavam insatisfeitos com a quantidade de fieis que passaram a seguir um falso profeta e os proprietários de terra reclamavam da perda de mão-de-obra e dos saques em suas propriedades. 
A insatisfação contra Canudos tornou-se guerra em 1896, quando houve um confronto no município de Uauá entre um destacamento policial do governo baiano e canudenses. 
O destacamento policial deslocava-se para Canudos quando foi surpreendido e derrotado pelos seguidores de Conselheiro.
Diga à turma que a situação ficou ainda mais incontrolável depois desta vitória. Padres e coronéis exigiram medidas urgentes do governo baiano para acabar com Canudos. Jornalistas e intelectuais também estavam contra Antônio Conselheiro, pois acreditavam que o arraial era um reduto de defensores da monarquia.
Em janeiro de 1897, houve uma segunda expedição militar contra o arraial que também foi derrotada.
Então, em março do mesmo ano, o governo federal que assumiu a repressão. Na época, o presidente do Brasil era Prudente de Morais, que ordenou uma expedição oficial do exército brasileiro para acabar com o movimento de Antônio Conselheiro. Todavia, esta expedição também foi derrotada.

O Ministro da Guerra do governo Prudente de Morais, Carlos Machado Bittencourt, recrutou cerca de 10 mil soldados para uma quarta expedição. A investida começou em junho e em setembro os soldados cercaram o arraial de Canudos.
Antônio Conselheiro faleceu no dia 22 deste mesmo mês em 1897, vítima de disenteria. Mesmo assim,  parte dos seus seguidores manteve a resistência que durou até o dia 5 de outubro.
O exército republicano promoveu um verdadeiro massacre, matando milhares de inocentes e degolando centenas de prisioneiros, além de incendiar o arraial.

5ª etapa
Nesta etapa, resgate a reportagem do Jornal da Record apresentada no início da aula. A reportagem cita o jornalista Euclides da Cunha, que acompanhou todos os eventos e escreveu um livro reportagem, fonte documental muito importante para entender Canudos. O livro "Os Sertões" é uma extensa descrição que abrange desde as características físicas e sociais da região até o último momento da repressão do exército brasileiro. 
Leia com a turma um trecho de sua obra que relata o confronto com o exército brasileiro e os artifícios dos sertanejos para se aproveitarem do terreno em que viviam:

Trecho de "A Guerra das Caatingas"
"Ao passo que as caatingas são um aliado incorruptível do sertanejo em revolta.
Entram também de certo modo na luta. Armam-se para o combate; agridem.
Trançam-se, impenetráveis, ante o forasteiro, mas abrem-se em trilhas multívias para o matuto que ali nasceu e cresceu. E o jagunço faz-se o guerrilheiro-tugue, intangível...
As caatingas não o escondem apenas, amparam-no. Ao avistá-las, no verão, uma coluna em marcha não se surpreende. Segue pelos caminhos em torcicolos, aforradamente. E os soldados, decassando com as vistas o matagal sem folhas, nem pensam no inimigo. Reagindo à canícula e com o desalinho natural às marchas, prosseguem envoltos no vozear confuso das conversas travadas em toda a linha, virguladas de tinidos de armas, cindidas de risos joviais mal sofreados. [...] De repente, pelos seus flancos, estoura, perto, um tiro...
A bala passa, rechinante, ou estende, morto, em terra, um homem. Sucedem-se, pausadas, outras, passando sobre as tropas, em sibilos longos. Cem, duzentos olhos, mil olhos perscrutadores, volvem-se, impacientes, em roda. Nada veem. Há a primeira surpresa. Um fluxo de espanto corre de uma a outra ponta das fileiras. E os tiros continuam raros, mais insistentes e compassados, pela esquerda, pela direita, pela frente agora, irrompendo de toda a banda...
Então estranha ansiedade invade os mais provados valentes, ante o antagonista que vê e não é visto. Forma-se claramente em atiradores uma companhia, mal destacada da massa de batalhões constritos na vereda estreita. Distende-se pela orla da caatinga. Ouve-se uma voz de comando; e um turbilhão de balas rola estrugidoramente dentro das galhadas..." ("Os Sertões" de Euclides da Cunha)
Explique aos alunos que o vocabulário rebuscado de Euclides da Cunha era típico de intelectuais da época, por isso pode parecer um texto complicado de se entender. 
Esclareça o significado de algumas palavras, ressaltando, contudo, que essa passagem do livro demonstra a habilidade dos sertanejos em tirar proveito do terreno que bem conheciam para derrotar tropas do exército brasileiro compostas de mais homens. 
O relato faz parte da primeira fase do conflito.  A quarta expedição militar terminou com o massacre dos moradores do arraial de Canudos. Estima-se que morrerarm cerca de 25 mil pessoas nos conflitos.

 Mulheres e crianças seguidoras de Antônio Conselheiro. O grupo foi preso durante os últimos dias da guerra. Fonte: Flávio de Barros/Wikmedia Commons

Avaliação
Solicite um trabalho para verificar o que os alunos compreenderam sobre a aula e para que eles construam o entendimento sobre o legado de Canudos.
Peça que os alunos pesquisem sobre os termos "Matadeira" e "Favela", que aparecem na reportagem do Jornal da Record. 
Após a pesquisa, solicite  que eles escrevam um relatório com o resumo da aula e o significado dos termos pedidos.
Oriente que o texto produzido precisa relacionar fatos históricos com temas atuais como: influência da religião no estado, relevância de líderes carismáticos, aumento da circulação de armas no território e como se produz uma fonte oficial de fatos.
Verifique no relatório se a turma compreendeu os principais fatos da Primeira República que fizeram surgir Canudos e as diferentes possibilidades de narrativa deste acontecimento histórico.
Você pode sugerir à turma o conteúdo de "Para saber mais" como fonte de pesquisa.

Para saber mais
Vídeo
Documentário "A Matadeira" de Jorge Furtado, 15 minutos
Áudio
"A Matadeira - no balanço da justiça" música do grupo Cordel do Fogo Encantado 
Plano de aula
"O que resolve a violência urbana" , trecho que conta a origem do nome favela que remete a comunidade de Canudos

Antonio Gasparetto
Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora

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