Cinco perguntas e
respostas sobre a independência da Escócia
Entenda o que o plebiscito representa para o país e como influencia
o contexto internacional
O plebiscito sobre a independência da Escócia é só um dos capítulos
da longa história dentro do Reino Unido. Formado pela Inglaterra, Escócia,
Irlanda do Norte e País de Gales, o Reino Unido tem mais de 300 anos de união.
Nas urnas, questionados se a Escócia deveria se tornar um país
independente, os eleitores escoceses votaram pelo "não". No entanto,
a convocação do plebiscito ressalta a insatisfação com a atual política e
dominação inglesa dentro do Reino.
Para entender um pouco mais sobre o assunto e analisar como o
plebiscito afeta o cenário internacional, conversamos com os professores
Ricardo Ywata, do Senac-SP, e Florian Rabitz, da Universidade de São Paulo
(USP), ambos dos cursos de Relações Internacionais. Abaixo, eles respondem a
cinco perguntas sobre a independência da Escócia e suas consequências.
Leia mais
1.
Quais são os motivos
históricos e políticos que incitaram o plebiscito de independência da Escócia?
"A primeira
motivação está na longa história de luta da Escócia pela sua autonomia em
relação ao seu vizinho do sul, a Inglaterra, que data do século 9. Desde então,
há uma alternância entre autonomia e dominação", explica Ricardo Ywata,
professor de Relações Internacionais do SENAC-SP. Apesar das lutas, em 1707
ocorre a união política entre Escócia e Inglaterra.
Os dois países, ao
lado da Irlanda do Norte e País de Gales formam o Reino Unido. Assim como os
irlandeses, os escoceses historicamente têm se preocupado com a dominação
inglesa dentro do Reino Unido. Apesar de contarem com um Parlamento Escocês,
ele não é soberano. Trata-se de um autogoverno limitado, sujeito à autoridade
do Parlamento britânico. "Mas, diferente dos irlandeses, os escoceses
nunca mostraram uma resistência violenta que culminasse numa independência.
Eles sempre preferiram a descentralização e a autonomia", esclarece
Florian Rabitz, professor visitante belga da USP do departamento de Relações
Internacionais.
"No horizonte
mais recente, há uma insatisfação muito grande entre os escoceses com a
política de austeridade implementada pelo conservador David Cameron,
primeiro-ministro do Reino Unido", acrescenta Ricardo Ywata. Segundo ele,
o sentimento de instatisfação e a preocupação com relação ao aumento da
influência de eurocéticos (países que não seguem as leis da União Européia) no
atual governo conservador levou o primeiro ministro escocês, Alex Salmond, a
propor o plebiscito. Entre os argumentos a favor da realização do plebiscito
está a apropriação integral da receita do petróleo do Mar do Norte, que hoje é
dividida com o Reino Unido.
2. Quais são as
razões prováveis que mantiveram a Escócia no Reino Unido?
Para os
especialistas, os custos e riscos econômicos guiaram a decisão dos escoceses.
Para começar, o país teria que deixar de usar a libra esterlina e criar sua
própria moeda. Mesmo se decidissem manter a libra, contra as indicações dos
ingleses, os bancos escoceses não se beneficiariam de um mercado único, não
teriam influência na gestão da moeda e não contariam com o apoio do Banco da
Inglaterra. "Após a independência, os bancos escoceses passariam a ser
tratados como bancos estrangeiros", diz Ywata. "Além disso, a Escócia
perderia as vantagens de participar de um mercado único, com moeda comum.
Devido ao grande fluxo comercial com a Inglaterra, País de Gales e Irlanda do
Norte - destinos de 66% das exportações escocesas - o custo cambial pesaria nas
transações, encarecendo o produto final, sem falar no aumento da burocracia, em
função de novas regras e normas", conclui.
Existem 200 órgãos
públicos escoceses, para mantê-los após a independência, seria provavelmente
necessário aumentar os impostos e as contribuições da população. Já que
atualmente a maior parte dos custos com segurança, defesa nacional e assuntos
estrangeiros são cobertos pela Inglaterra.
Além da questão do
petróleo, para Florian Rabitz, os benefícios seriam muito difusos. "Eles
ganhariam uma autodeterminação nacional, que não seria muito maior do que a
situação presente", diz o professor belga. Como resultado, os escoceses
poderiam ter sérios problemas econômicos.
3. Como ficam os movimentos separatistas de outros países com o
'não' das urnas na Escócia?
De forma geral, os
movimentos de independência em um país não têm uma influência significativa nos
movimentos de outros países. Como explica Florian Habitz, a história, a política
e a sociedade de seu próprio país importam muito mais do que as deliberações de
outros países para os separatistas.
No mesmo dia em que
a Escócia votou por não se tornar independente do Reino Unido, a Catalunha,
região autônoma da Espanha, aprovou uma lei que permite a convocação de um
plebiscito para decidir sobre sua própria independência. O governo espanhol já
disse que considera a consulta ilegal e que irá recorrer da decisão da
Catalunha. "Apesar de acompanhar de perto, é muito improvável que os catalões
ou os bascos sejam influenciados pelo o voto final da Escócia", diz
Rabitz.
4. Qual a diferença nos movimentos que buscam a Independência hoje
e os que aconteceram nos séculos passados nas colônias europeias na América e
na África?
"Nenhum dos
movimentos separatistas atuais na Europa estão sofrendo opressão comparável ao
que as colônias europeias sofreram. A população pode dar voz às preocupações
sobre sua autonomia e independência por meio de processos democráticos, sem
serem presos, torturados ou assassinados", analisa Florian.
Para ele, há ainda
que se considerar a forma como os países querem se tornar independentes. Se os
movimentos separatistas quiserem conseguir a independência por meio de um
processo democrático, é preciso convencer a população sobre os benefícios
imediatos. Outro modo de conseguir a independência é por meio de algum grupo
armado disposto a lutar, como aconteceu na desintegração da Iugoslávia nos anos
90 e mais recentemente no leste da Ucrânia. "O primeiro caminho é mais
difícil, mas se bem sucedido, haverá estabilidade política. Pelo outro modo,
não são necessárias longas e exaustivas campanhas políticas para construir o
consenso, mas é provável que haja resistência militar". O professor
destaca ainda que o principal fator para o sucesso dos movimentos de
independência é a legitimidade. "As chances para uma transição pacífica e
estável são maiores se a população do país em questão e da comunidade
internacional se convencerem de que há uma justa causa para a independência",
conclui.
5. E agora, o que
acontece com a Escócia?
Ainda é difícil
dizer, mas a pequena diferença entre o "sim" e o "não"
acende um alerta sobre a necessidade de mudanças na política do Reino Unido.
Logo após o resultado das urnas, David Cameron propôs que as quatro nações do
Reino Unido tenham mais poderes. "Fala-se em negociações para aumentar a
representatividade do voto escocês no Parlamento britânico, em revisão dos
cortes nos programas sociais e no aumento da parcela dos royalties do petróleo
do mar do Norte, localizadas, em grande parte (85%), na costa escocesa. Se for
hábil nas negociações, a Escócia poderia ter o melhor de dois mundos: continuar
no Reino Unido, gozando da proteção de Londres e aumentar a sua
autonomia", explica Ricardo Ywata.
Já o líder
independentista, Alex Salmond, primeiro-ministro da Escócia e presidente do
Partido Nacional da Escócia, renunciou aos cargos após a derrota no plebiscito.
http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/cinco-perguntas-respostas-independencia-escocia-801597.shtml
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