Devemos proteger crianças e adolescentes de assuntos “inadequados”?
Não posso deixar de compartilhar com vocês uma notícia que me
incomodou muito:
… o livro “A Culpa é das Estrelas”, de John Green, foi proibido em
escolas públicas em Riverside, na Califórnia, por falar de morte e sexo. A
proposta de proibição veio de uma mãe, Karen Krueger, que convenceu uma
comissão de professores, pais, diretor e bibliotecários a retirar as cópias dos
livros das bibliotecas do distrito. “Eu não acho que o conteúdo seja apropriado
para crianças de 11, 12, 13 anos de idade”, disse ela. (Fonte: UOL)
O best-seller “A culpa é das estrelas“, do autor norte-americano
John Green, conta de maneira espirituosa e sensível a história de um casal de
adolescentes diagnosticados com câncer. Recentemente adaptado para o cinema, o
livro trata de sexo e morte, dois temas tabu na
nossa sociedade. A protagonista tem uma vida amorosa (e sexual) ao mesmo tempo
em que lida com a doença e a iminência da morte. Não é o caso de avaliar se
essa história é a melhor para abordar essas questões, mas quero discutir a
postura superprotetora, que, oferece ao jovem silêncio e negação no lugar de
uma oportunidade para o diálogo e a aprendizagem sobre questões inerentes à
vida. Será que isolar crianças e jovens de temas como
a morte e o sexo é positivo para seu desenvolvimento?
Isso me remeteu a minha adolescência… Sem ter mais o poder de
me proteger da vida, meu sábio e saudoso pai admitiu em uma de nossas
conversas:
“Se pudesse, colocava você e seus irmãos num pedestal para que não
precisassem passar por nenhum tipo de sofrimento, tristeza ou dificuldade. Mas
não posso. Filha, o que posso lhe dizer é que a lei da física se aplica a lei
da humanidade. Quando a gente se deixa levar pela força centrípeta ou pela
centrífuga… Perde o controle sobre a própria vida e passa a ser comandado pelos
outros. É preciso encontrar o equilíbrio! E, para isso, você tem que aprender a
subir a sua escada da vida sozinha.”
A coragem e a humildade contidas nessas palavras são uma grande
referência para mim. Até hoje pauto minhas atitudes por elas, mesmo tendo mais
idade do que meu pai tinha quando as proferiu.
Desejo e realidade
Precisamos separar a nossa expectativa em relação à vida dos nossos
jovens da realidade com que eles têm de lidar e vivenciar com suas próprias
pernas e atitudes. Muitos
pais e educadores ainda acreditam erroneamente que as aulas de Educação Sexual
são uma apologia ao sexo. Eles
têm a ideia – ou a esperança – de que seus filhos/alunos nem sequer pensem
nisso. Será? Uma pesquisa recente mostrou
que a primeira relação sexual dos brasileiros está ocorrendo por volta dos 13
anos, mesma idade registrada nos Estados Unidos e Austrália.
Hoje um casal de adolescentes pode passar um longo tempo juntos, em
sua própria casa, na casa de amigos, em uma balada, em um shopping ou mesmo no
cinema.
O que os jovens fazem ou não com o seu interesse sexual – que, como
vimos na pesquisa, existe! – depende da Educação Sexual que tiveram, isto é, dos valores, da capacidade de tomar decisões e lidar com os
desejos, da aprendizagem sobre prevenção, da sua autoestima…
Ouço muito que as crianças e jovens “não estão preparados” para
lidar com esse tema. Concordo, afinal, quem já nasce preparado para alguma coisa nessa
vida? Nosso
papel é justamente prepará-los para lidar com questões da sexualidade, de
acordo com o seu interesse e com sua capacidade de compreensão dos fatos. Eles
anseiam saber! Precisamos respeitar a fase de cada um, e não impedir o
conhecimento.
Muitas vezes, o sexo é reduzido ao prazer do corpo e às
manifestações genitais. No entanto, a sexualidade é um instrumento que propicia
experiências indispensáveis ao crescimento pessoal, à autonomia e ao
desenvolvimento da individualidade e, até mesmo da cidadania, uma vez que
envolve o modo como cada um entende e interpreta seus direitos e deveres para
consigo e com os outros, em relação à condição de gênero, a função reprodutiva
e a capacidade de se relacionar afetivo e sexualmente.
Quando se nega o trabalho de Educação Sexual ou se adere ao
discurso de que esse tema é “inadequado” aos alunos, é preciso refletir: será que o educador não está deixando de ser um elemento
transformador para se tornar um instrumento de atrofia pessoal e social?
Para caminharem sozinhos, os jovens precisam abastecer a bagagem da
vida com conhecimentos. Sejam eles adquiridos nas experiências familiares, seja
na vivência pessoal, mas também por meio de ensinamentos formais da escola e da
emoção de um livro. Se houver alguma dificuldade de compreensão do livro, ela
vai precisar de um adulto próximo para conversar. E aí, quem é que não está
preparado para o tema?
http://revistaescola.abril.com.br/blogs/educacao-sexual/2014/10/09/devemos-proteger-criancas-e-adolescentes-de-assuntos-inadequados/
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