A prática da "justiça com as próprias mãos"
é admissível em uma sociedade civilizada?
Estimule a
reflexão sobre a banalização da violência e discuta os contextos culturais e
sociais em que ela ocorre
- Desumanização e "coisificação" do outro
- Violência e
desigualdade social
Objetivos
- Abordar a
problemática da reprodução da violência por meio de sua banalização
- Compreender
o que significa a desumanização e a "coisificação" do outro e quais
os fatores que contribuem para esses fenômenos
Anos Ensino Médio
Tempo estimado Três aulas
Materiais necessários
- Cópias da
notícia "Adolescente é espancado e preso nu a poste no Flamengo, no
Rio", do portal G1 (link aqui).
- Cópias da
reportagem "Mulher é espancada até a morte no Guarujá (SP)", do site
de Veja (link aqui).
- Computador
com equipamento multimídia para projeção de vídeos para os alunos
- Computadores
com acesso à internet para uso dos alunos
Leia mais
Como
introdução, inicie a aula com uma rápida conversa sobre a violência urbana,
procurando saber qual é a percepção da turma sobre o tema. Na opinião dos
alunos, a violência tem aumentado recentemente? Como eles enxergam seu próprio
bairro e cidade? Quais os tipos de violência que mais chamam a atenção? Como os
alunos ficam sabendo dos casos de violência? Qual o papel da mídia e veículos
de comunicação? Redes de televisão, revistas e jornais dão pouca ou muita
atenção para esse problema?
Distribua as
cópias da reportagem do portal G1 "Adolescente é espancado e preso nu a
poste no Flamengo, no Rio" para metade da turma. Para a outra metade,
entregue as cópias da reportagem "Mulher é espancada até a morte no
Guarujá (SP)", do site de Veja. Dê algum tempo para que os alunos leiam os
textos individualmente. Em seguida, estimule-os a comparar impressões e ideias
com os demais colegas que leram o mesmo texto.
Retome a
discussão com toda a turma. O objetivo é que os alunos tenham uma noção geral sobre
os acontecimentos descritos. Em primeiro lugar, peça aos estudantes que resumam
e expliquem o conteúdo de cada uma das notícias. Faça com que eles descrevam o
que aconteceu, quando e quais eram os envolvidos. Você poderá escolher alguns
alunos para apresentar esse resumo para os colegas ou deixar que eles tenham
essa conversa espontaneamente. Incentive os alunos a apresentarem informações
complementares sobre esses casos (se houverem), mas indague-os a respeito das
fontes dessas informações.
Em seguida,
solicite que a turma identifique as similaridades e diferenças entre os dois
casos descritos. Quais eram os perfis das vítimas? E dos agressores? Como os
dois casos terminaram? Quais seriam os possíveis motivos que levam a população
a agir, em bando, contra criminosos ou suspeitos?
Para
qualificar o debate, explique que o linchamento (ou justiçamento popular) é uma
forma de punição coletiva de alguém envolvido em atividades antissociais ou
criminosas. São casos em que a intervenção do Estado e das forças
policiais é nula: a própria população toma para si o papel de
"julgar" e de aplicar a punição. Nos casos mais brandos, resultam em
espancamento dos suspeitos; nos mais graves, frequentemente envolvem sua
desfiguração e morte. Essas práticas se diferenciam das chacinas (que são ações
premeditadas), por seu caráter súbito, anônimo, desorganizado e carregado de
simbolismo (por exemplo, quando criminosos sexuais têm seus órgão genitais
mutilados). Vale lembrar ainda que o linchamento não é tipificado no código
penal brasileiro, tornando-se quase impossível estimar a quantidade real de
linchamentos ocorridos no Brasil anualmente.
Para encerrar
esta etapa, indague se a turma tem conhecimento de outros casos similares aos
relatados nos textos. Pergunte ainda quais são as possíveis causas de casos
como esses e, mais especificamente, quais os motivos para o aparente aumento
recente de casos de linchamento e justiça popular no Brasil. Por fim,
questione-os sobre os riscos do justiçamento de inocentes, como no caso de
Guarujá. Estimule os alunos a tomarem nota dos argumentos apresentados.
2ª etapa
Nesta etapa,
você deverá explorar alguns dos motivos frequentemente apresentados para
explicar os casos de linchamento. Em primeiro lugar, você poderá abordar a
hipótese de que os linchamentos são reações à desordem social e à incapacidade
de ação do Estado, o que forçaria os cidadãos a agirem por conta própria.
Para iniciar
essa discussão, pergunte aos alunos se eles concordam com a hipótese de que os
linchamentos são consequências do aumento da criminalidade e da percepção de
que os criminosos não são punidos adequadamente (ou ainda, da ideia de que não
costumam ser punidos de qualquer forma). Na opinião deles, um Estado mais
presente - representado pelas forças policiais, pelo sistema judiciário, mas
também por políticas de assistência e amparo social - seria uma solução para
impedir linchamentos? O monopólio do uso legítimo da força por parte das
instituições e órgãos estatais é uma forma de evitar esse problema? Nesses
casos, qual o papel do sistema judiciário? O controle da violência por parte do
Estado é um traço das sociedades e países civilizados?
Para estimular
a discussão sobre esse ponto, você poderá explorar as ideias do sociólogo
alemão Norbert Elias. Para o autor, o longo processo de formação dos
Estados-Nações internamente pacificados, desde a Idade Média, transferiu
gradualmente os processos de resolução de conflitos do âmbito individual para o
coletivo, criando nas pessoas uma predisposição para as resoluções pacíficas de
conflito, em oposição ao recurso da violência. Em outras palavras, trata-se da
correlação entre a emergência do Estado e seus mecanismos sociais e o
desenvolvimento das formas de autocontrole e de pacificação da vida em
sociedade. Esse fenômeno, no entanto, também aumentou a centralidade da
violência cometida pelos Estados, cada vez mais os detentores legítimos do
monopólio da violência.
Para os
estudantes, essa correlação faz sentido? Na opinião deles é correto afirmar que
em sociedades mais civilizadas as pessoas recorrem menos à violência (e,
portanto, a formas de justiça com as próprias mãos)? O que idealmente
aconteceria com as pessoas linchadas, como nos casos das notícias lidas em sala
de aula, em contextos mais "civilizados"?
Em um segundo
momento, proponha uma discussão em um sentido distinto: na opinião da turma, é
apenas a presença e o correto funcionamento do Estado que determinam os
comportamentos civilizados das pessoas? O que leva grupos de pessoas a agir com
violência desmedida, sem apurar a verdadeira responsabilidade dos suspeitos? O
que pode levar à completa falta de identificação dos linchadores com os
acusados, ao ponto de recorrer à violência? Como é possível que, no caso
ocorrido em Guarujá, uma dona de casa e mãe de família tenha sido equiparada a
uma sequestradora de crianças?
Indique que
esses acontecimentos podem ser relacionados com processos complementares de
desumanização (ou seja, a destruição da identidade do "outro" como
parte da mesma espécie) e de coisificação (sua transformação simbólica em um
objeto, em algo que não é semelhante ao humano). Assim, no caso das vítimas de
linchamento, o primeiro processo atuaria na eliminação da empatia e
identificação com a pessoa linchada, como se ela não possuísse sentimentos ou
não sentisse dor. O segundo processo se colocaria na utilização daquele objeto
(não mais uma pessoa) para o atingimento de uma finalidade: expressar o medo da
violência, a insatisfação com a inoperância do Estado etc. Um exemplo de
desumanização e coisificação era o status social dos escravos no Brasil
colonial e imperial e em outros países escravocratas. Ao serem considerados
"propriedade", essas pessoas eram simultaneamente desumanizadas (isto
é, subtraídas de características que os tornam reconhecidos como humanos e, em
muitos casos, comparados com animais) e coisificadas (comercializadas e
empregadas em trabalho forçado com finalidades econômicas).
Para concluir
esta etapa, estimule os alunos a pensarem como processos de desumanização e
coisificação podem ser empregados para compreender os casos recentes de
linchamento. Estimule-os a explicar suas opiniões utilizando alguns dos
argumentos apresentados em sala de aula. Essa conversa deverá ser retomada na
próxima etapa.
3ª etapa
Utilize o computador
com equipamento multimídia para exibir dois vídeos para a turma. Explique que
eles assistirão aos dois vídeos e farão observações após a exibição. O primeiro
(disponível aqui),
é um comentário da jornalista Rachel Sheherazade sobre um caso ocorrido no Rio
de Janeiro, no qual um jovem criminoso foi espancado por populares e
amarrado a um poste, sem roupas. O segundo, do jornalista Ricardo Boechat
(disponível aqui),
é um comentário em resposta ao linchamento da dona de casa Fabiane, ocorrido em
Guarujá, no qual ele fala sobre o papel das redes sociais e da mídia.
Como forma de
avaliação, divida a turma em grupos de até quatro pessoas. Cada grupo terá de
elaborar um texto curto, de até cinco parágrafos, comentando os vídeos e
relacionando-os com as ideias e conceitos apresentados em sala. Sugira também
que eles pensem a respeito da banalização da violência: qual o papel da mídia
no caso dos linchamentos e em relação às percepções que temos sobre a
violência?
Os alunos
poderão usar suas anotações e as instalações da biblioteca para pesquisar mais
sobre o tema. Se possível, permita que eles usem um ambiente com computadores e
acesso à internet. Nesse caso, você poderá sugerir links para pesquisa, como o
texto "Seres
sem rumo", de José de Souza Martins, e da entrevista com o
sociólogo, "Brasil, o país dos linchamentos", disponível no site do
Instituto Humanitas.
Ao final da
atividade, retorne a discussão para o grande grupo. Estimule os alunos a
socializarem suas descobertas e opiniões, aproveitando a oportunidade para
esclarecer quaisquer dúvidas e questionamentos que possam restar.
Avaliação
Avalie os
alunos de acordo com sua participação e domínio dos temas apresentados. Avalie
também sua capacidade de trabalhar em grupo, a qualidade do texto final e a
capacidade de raciocínio crítico em relação ao conteúdo abordado.
Quer saber mais?
"Seres
sem rumo", texto de José de Souza Martins, Estadão.
"Brasil, o país dos linchamentos", entrevista com José de Souza Martins, disponível no site do Instituto Humanitas, da Unisinos.
"O Processo Civilizador - Volume 2: Formação do Estado e Civilização", de Norbert Elias, Jorge Zahar Ed., 1994.
"Brasil, o país dos linchamentos", entrevista com José de Souza Martins, disponível no site do Instituto Humanitas, da Unisinos.
"O Processo Civilizador - Volume 2: Formação do Estado e Civilização", de Norbert Elias, Jorge Zahar Ed., 1994.
Consultoria Maiko Rafael
Spiess
Sociólogo, mestre e doutorando em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Sociólogo, mestre e doutorando em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
http://revistaescola.abril.com.br/ensino-medio/plano-de-aula-sociologia-pratica-justica-proprias-maos-admissivel-pais-civilizada-782590.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário